Benefícios da prática de circo para a cognição e o subjetivo

por Isabela Levi

Movimentar o corpo, praticar um esporte, se expressar corporalmente são oportunidades maravilhosas de serem experienciadas. Fora os efeitos físicos no corpo, os quais podem ser sentidos e percebidos na pele, nos músculos, nas articulações e tendões, temos que considerar também as sensações deliciosas de bem-estar desencadeadas pelas descargas de endorfina. Até aqui, não tem muita novidade, acredito que a grande maioria das pessoas que deseja se expressar pelo corpo, praticar uma atividade física ou mesmo, se movimentar, dá o primeiro passo de sanar seu desejo movidas pelos efeitos corpóreos  ou mesmo por uma dose de endorfina (porque sim, ela vicia tanto quanto uma droga ilícita).

Você já parou para se perguntar por que a grande maioria das dicas de auto ajuda/produtividade/qualidade de vida, sempre sugerem a prática de uma atividade física? Além de todos aqueles ganhos citados ali em cima, existem também os benefícios no nosso subjetivo, e principalmente na nossa cognição. 

Tá, mas e o que é subjetivo? O subjetivo pode ser compreendido como o nosso espaço íntimo, o nosso mundo interno numa relação dialética com a objetividade. A subjetividade é uma parte constitutiva do indivíduo, é particular, única e singular.  (Leontiev, 1978; Bock, 2004; Gonzalez Rey, 2001). De acordo com Vygotski (1995), a gênese da subjetividade está nas relações sociais e é um intercâmbio contínuo entre o mundo interno e o externo.

E o que é cognição? ahhh a cognição! adoro falar sobre isso! E para falar disso, não vou nem usar referências, vou me pautar no que estudei durante alguns anos.

A cognição nada mais é do que suas habilidades cerebrais. Todos aqueles micro cálculos que o seu cérebro faz (o tempo todo) e você nem se dá conta. Já parou para pensar em todos os cálculos que o seu cérebro faz quando você precisa atravessar a rua? Vem um carro, você calcula (sem perceber) a velocidade do carro, o tempo que ele vai demorar para chegar até você, se é possível atravessar andando ou caminhando, ignora estímulos distratores para não se colocar em risco… Pois é, tudo isso acontece em fração de segundos! Mas no meio disso tudo, seu cérebro utilizou de diversas funções cognitivas para te dar essa habilidade de atravessar a rua são e salvo. Atenção, memória, linguagem, coordenação motora, funções executivas (minhas preferidas!), visopercepção, visoconstrução, são as principais funções cognitivas.

Subjetividade e cognição devidamente explicadas, passemos para a resposta da pergunta sobre a relação da subjetividade com as atividades físicas. De uma forma bem resumida, podemos compreender que a sensação de conquistas e superação de adversidades nos promovem autoconfiança e melhora nossa auto estima. Acredito que essas duas palavras precedidas por auto, sejam apenas dois pequenos exemplos, de aspectos subjetivos suficientes para desencadear processos pautados na beleza que reside no progresso, no ato de se observar melhorando em algo. Em outras palavras, no ato de se sentir boa (ou bom) em alguma coisa.

Eu adoro um ditado de Edward Lorenz que diz assim: o bater das asas de uma borboleta, pode ocasionar um tufão do outro lado do mundo.

Falei desse ditado para dizer que pequenas sensações positivas, como a autoconfiança e a auto estima, podem suscitar uma série de comportamentos que nos engrandecem e acabam refletindo na nossa personalidade, na nossa singularidade e claro, na nossa maneira de se relacionar com o mundo.

Vamos agora então, falar dos benefícios das atividades físicas para a cognição.

Essa relação é mais antiga do que você imagina. O desenvolvimento da nossa cognição está intimamente relacionado com o desenvolvimento da nossa habilidade motora. Eu poderia falar muito sobre isso, até porque adoro esse tema, mas vou deixar para um próximo texto. Vou me ater aqui em dois pontos: o primeiro de que as funções motoras partilham de sítios cerebrais análogos às funções cognitivas, mais conhecidos como córtex pré-frontal; e o segundo, de que o aumento da nossa atividade cardiovascular proporciona maior oxigenação, e consequentemente, melhora o funcionamento cerebral.

Discorrendo um pouquinho sobre o primeiro ponto, podemos pensar na ideia de que os lugares do cérebro responsáveis por gerir nossas ações motoras e várias funções cognitivas importantíssimas (raciocínio lógico, julgamento, discernimento, impulsividade, atenção, planejamento, entre outras) são vizinhos de parede. E que, quando um vizinho faz festinha o outro fica animado e resolve fazer também. Essa ideia fica ainda mais clara, quando pensamos que tudo funciona à base de impulsos elétricos e que basta um pequeno impulso, para desencadear vários outros. Pois é, os impulsos elétricos, também conhecidos por sinapses elétricas, são tão contagiosos como o coronavírus. E por essa razão, quando ativamos uma área do cérebro por uma demanda motora, acabamos deixando ativas também, as funções cognitivas.

Um estudo (Winter e colaboradores, 2006) muito interessante, comparou dois grupos de pessoas equivalentes, ou seja, que possuíam nível intelectual e sócio-econômico parecidos. O primeiro grupo, foi composto por praticantes que correram por 20 minutos antes de realizar uma prova de conhecimentos gerais. No segundo grupo, os sujeitos não fizeram atividade física e somente fizeram a prova. Os resultados mostraram que o grupo de corredores apresentou melhor performance do que o segundo grupo.

Ta aí um bom motivo para se exercitar de manhã cedinho, antes de começar a sua jornada diária. Deixar o córtex pré-frontal bem ativo, prontinho para lidar com todos os micro cálculos necessários para você estar mais dispost@, solucionar problemas, controlar impulsos, ou mesmo, melhorar sua capacidade atencional.

Bom, e o que o circo tem a ver com tudo isso?

Dentro dessa relação dos benefícios das atividades físicas para o funcionamento do nosso cérebro, temos também que quanto maior a demanda motora e o engajamento cognitivo exigidos em uma atividade, maior será essa ativação do córtex pré-frontal. (Best, 2010; Schmidt et al., 2015). Uma demanda motora alta pode ser compreendida como uma exigência de movimentos corporais complexos, movimentos que não são repetitivos ou automáticos.

A linguagem corporal circense é bem complexa! Quem pratica ou já praticou sabe bem do que estou falando. É impossível perder o foco, ou fazer algo com a cabeça distante. É preciso atenção, muita atenção. Impossível, na minha visão, considerar qualquer uma das habilidades circenses como repetitiva ou automática. Por essa razão, as habilidades circenses refletem um bom exemplo de atividade motora complexa e que exige muito engajamento cognitivo.

Durante muitos anos, antes de resolver estudar o circo na neurociência, fui testemunha ocular dos benefícios subjetivos e cognitivos que essa prática tinha na vida dos meus alunos. Tive uma grande oportunidade de observar muitas pessoas, experimentando o circo pela primeira vez e mais ainda, observar a evolução delas no decorrer dos anos.

Sempre que observava essas evoluções pensava numa forma de juntar minhas duas paixões: circo e neurociência. Eis que um dia, realizei meu sonho e vim aqui compartilhar com vocês um pouco desse sonho.

Gostou texto e quer conversar mais sobre o assunto?

Vou adorar! Pode me mandar um e-mail que combinamos!

Saudações confinadas!


Referências

Leontiev, A.N. (1978). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa, Horizonte

Bock, A. M. B. (2004). A perspectiva histórica da subjetividade: uma exigência para a psicologia atual. Psicologia America Latina

Gonzalez Rey, F. (2001). A pesquisa e o tema da subjetividade em educação.

Vygotski, L.S. (1995). Obras Escogidas. Tomo III. Madrid: Visor/MEC.

Best, J. R. (2010). Effects of physical activity on children’s executive function: Contributions of experimental research on aerobic exercise. Developmental Review. https://doi.org/10.1016/j.dr.2010.08.001 

Schmidt, M., Jäger, K., Egger, F., Roebers, C. M., & Conzelmann, A. (2015). Cognitively Engaging Chronic Physical Activity, but Not Aerobic Exercise, Affects Executive Functions in Primary School Children: A Group-Randomized Controlled Trial. Journal of Sport and Exercise Psychology. https://doi.org/10.1123/jsep.2015-0069 

Winter, B., Breitenstein, C., Mooren, F. C., Voelker, K., Fobker, M., Lechtermann, A., … Knecht, S. (2007). High impact running improves learning. Neurobiology of Learning and Memory, 87(4), 597–609. doi:10.1016/j.nlm.2006.11.003