coisa

acordar coisa

acordar coisa não é como acordar inseto, é bem mais pragmático.

um dia você acorda com dores musculares, no outro acorda precisando ser lixado. polido. esfregado. 

um dia você acorda de mau humor, no outro acorda no lugar errado.

um dia com uma fome do cão, no outro acorda pronto.

se você falar comigo, posso parecer não escutar. ou não responder.

coisa não conversa.

posso ser mexido, arrumado, ser jogado. 

nos dias que acordo coisa, posso trabalhar bastante.

repetir, repetir, até ficar diferente.

nesses dias eu também me relaciono. 

se você não mudar minha trajetória, faço o que for preciso.

o que você precisar. 

nesses dias passo desapercebido.

recebo e ignoro seu afeto.

não me percebo.

não olho no espelho.

não penso em você. 

foto: joao saenger

A coisa

Tem uma forma tridimensional. Um poliedro, composto de vários retângulos. Pesa aproximadamente 500 g. Tem dois lado planos e quatro lados abaulados. Qualquer lado te recebe, te aceita. Está sempre aberto para novas ideias. É rígido e tem uma simplicidade que me atrai. É calmo e paciente. Dialoga com firmeza, mas com doçura. Se for jogado na água afunda, devido à sua densidade. Se lixar muito fica liso e pode até desaparecer. É pau para toda obra. Ipê. Serve para apoiar as mão de uma pessoa em sentido invertido. É bem rígido. Sua cor é marrom claro. Para pregá-lo deve-se utilizar parafuso, pois não aceita prego com facilidade. Aguenta tudo, sempre disposto a dar apoio. Para ser colado recomenda-se utilizar cola branca. Não tem coração. Precisa de um tratamento contra pragas. Não é único e pode ser reproduzido facilmente, embora não seja fácil de encontrar e não seja vendido em lojas. Por sorte, não precisa afirmar a sua existência. Não gosta muito de falar, mas escuta tudo como um amigo atencioso ou um psicanalista que te acolhe, te recebe, absorve tudo o que você tiver para dar e no final sorri. Inerte, só se move por impulsão. 

Inércia

Fico pensando e observando as coisas, todas aquelas que habitam os espaços, as grandes e as pequenas, a geladeira, o alfinete ou uma almofada. Você já reparou na mania que elas tem de ficar ali paradas naquela inércia profunda? Aquela tarrachinha de brinco que cai no canto escondido da parede, ela fica lá parada esperando. 

Fico imaginando se de repente elas se mexessem...

Que medo...