espetáculo

Resenha : Risco como Estética, Corpo como Espetáculo

Resenha

Risco como Estética, Corpo como Espetáculo

Marina Souza Lobo Guzzo

São Paulo: Annablume; Fapesp, 2009

Georges Seurat, The Circus

Georges Seurat, The Circus

O livro 'O Risco como Estética, Corpo como Espetáculo', de Marina Guzzo foi publicado em 2009, resultado da dissertação de mestrado da autora. Uma das poucas publicações sobre circo e suas relações estéticas em português, o livro defende a estética do circo como materializada no corpo do acrobata. A autora aborda o corpo a partir do prisma da Psicologia Social, no qual ele é entendido como um processo construído na linguagem e no discurso social. Além do corpo materializar essa estética, é também ele que a sente, a experiencia e a aprecia. A autora também fala que há um corpo pós-moderno, que é aquele que busca e vive a vertigem, na Sociedade dos Riscos (Beck, 1993). O conceito de risco, aqui, vem intrincado com a construção histórica sobre o corpo. Para chegar no estudo dessa estética do risco, ela lançou mão de uma pesquisa de campo que compreendeu uma metodologia híbrida, utilizando diário de campo, entrevistas, prática circense, visitas a espaços, dentre outros; além de reunir imagens partindo da perspectiva que essas imagens são construtoras históricas desse corpo acrobata. O conceito de risco, aqui, vem intrincado com essa construção sobre o corpo.

Marina Guzzo também traz a evolução desse conceito de risco ao longo do tempo. Antes associado à probabilidade de algo acontecer ou não, não carregava valoração positiva ou negativa, como na noção moderna que é mais utilizada hoje. A partir dessa noção, Guzzo traz o espetáculo circense como um espetáculo que une todas essas ideias, um espetáculo do corpo acrobata: corpo evidente, corpo exposto, corpo em risco. O espetáculo não apresenta uma estrutura linear nem narrativa e traz as características de ser um espetáculo de variedades, de apresentar o novo, de trazer ao público coisas fantásticas e seres exóticos a partir de três elementos básicos, a beleza, a alegria e a aventura. Além dessas casracterísticas a autora enfatiza o papel central do corpo como "superador de limites dados pelo espaço, pelo tempo e pelo próprio corpo"(p.57).

Ainda pensando nestas particularidades, a autora afirma que espetáculo circense valoriza o tempo presente, seja na temporalidade das suas estruturas, na itinerância ou no tipo da atenção que o espetáculo demanda. A dramaturgia do espetáculo formada por pequenas cenas independentes de curta duração proporciona um ritmo não linear.  Essa estrutura carrega em si o risco da precisão, onde cada número precisa acontecer perfeitamente para o sucesso do todo. A técnica e o treinamento corporal contribuem para a formação de um corpo-máquina, capaz de atender à lógica da repetição e performance, em aliança com os aparelhos. Aqui, ela reforça a ideia de risco não como um sentido em si mesmo, mas sim como a causalidade que se une ao tempo e ao espaço, além da condição, a ação e o efeito.

A estética do espetáculo circense explora o simulacro do risco, que só é possível pelo corpo disciplinado. Esta estética "designa de uma lado a teoria da sensibilidade como forma de experiência possível e ilusória; de outro a reflexão da experiência real, do contato com a morte, com o perigo" (p. 85). O circo, para a autora, é socialmente associado ao risco do corpo e ao risco social e econômico, e essa imagem é perpetuada pelos próprios espetáculos. Assim, é na junção entre o risco ilusório e o risco experienciado que a relação com o público aparece e essa estética é construída.

A partir da pluralidade conceitual Marina Guzzo vem, nessa obra, falar do circo, do risco, do corpo e da estética que abraça tudo isso no espetáculo circense. Naturalmente pluridisciplinar, a autora toca em quase todos os tópicos que comumente são levantados para falar do circo enquanto espetáculo: o corpo circense, o treinamento, o risco, a arquitetura, a economia, a estética. Ainda motivada pelas questões trazidas pela autora, me pergunto de que circo ela fala, na tentativa de trazer o universal dessa linguagem, a partir de uma estética unificadora. Como essa questão vem motivando minha pesquisa, acredito que a obra foi de grande valia para uma abordagem ampla e múltipla, que lança um olhar sobre o circo por diversos ângulos, ainda que com a dificuldade inerente à qualquer análise de generalização do objeto, ainda mais gritante no caso do circo enquanto manifestação artística tão diversa - falta um pouco de objetividade da explicação dos conceitos e no entrelaçamento entre eles.

 

Julia Henning

Artista pesquisadora

coletivo Instrumento de Ver

Mestranda em Artes Cênicas na Universidade de Brasília

resenha realizada pelo projeto de pesquisa Poéticas Circenses Contemporâneas

apresentado pelo Fundo de Apoio à Cultura da Secretaria de Cultura do Distrito Federal